quinta-feira, 8 de setembro de 2011

História de Caraguá: Carta de Boneca revela detalhes da cassação de Bourabeby

Boneca, o mentor da cassação de Bourabeby
Uma carta elaborada por Geraldo Nogueira da Silva, o Boneca, em 8 de junho 1990, mostra detalhes de como foi o episódio político de maior relevância das últimas décadas na história de Caraguatatuba: a cassação do então prefeito José Bourabeby

A carta foi endereçada a um jornal do Vale do Paraíba, que na época tinha abordado a questão com algumas incoerências. Boneca quis dar a sua versão sobre o sucedido naquela ocasião e assim desfazer equívocos. Ele próprio chamou a carta de “depoimento do Boneca”.

Dúlio Peixoto apresentou a denúncia
Boneca foi o mentor e presidente da comissão processante que redundou na cassação de José Bourabeby, ocorrida em 1990. Na época, o então presidente da Câmara Dúlio Peixoto apresentou a denúncia de cassação e foi substituído durante o processo pelo suplente e veterinário Washington.

Bourabeby foi cassado em uma sessão cansativa, que durou quase vinte horas de trabalho contínuo. Dentre as denúncias, estavam a de permitir o depósito na cidade do lixo proveniente de outras cidades e tentar impedir o normal funcionamento da Câmara Municipal ao querer detalhes sobre as despesas do Legislativo.

Nos bastidores da Câmara Municipal, todavia, os comentários eram outros: o prefeito estava sendo cassado por querer restringir o envio de dinheiro para a Câmara Municipal, os chamados duodécimos, e também por dizer em lugares públicos que “batia no cocho e os vereadores vinham comer na sua mão”.

Bourabeby: cassado
Bourabeby foi cassado com a utilização do Decreto-lei 201, de 1967, que regula a cassação do mandato de prefeitos e vereadores. Na época, com a recém-promulgada Constituição Federal, havia dúvidas se o decreto houvera ou sido recepcionado pela nova ordem constitucional. Portanto, se valia ou não passa cassar mandato.

O renovado jurista Geraldo Ataliba defendeu Bourabeby, mas a cassação foi finalmente confirmada pelo Tribunal de Justiça, que não viu erros processuais que pudessem pôr abaixo o trabalho feito pelos vereadores. Na verdade, o grande vitorioso foi Boneca, que conduziu pessoalmente todo o processo.

José Dias Paez Lima, o vice, foi empossado como prefeito da cidade em 17 de março de 1992 e completou o mandato, encerrando sua gestão em 31 de dezembro de 1992. A posse foi dada pelo presidente da Câmara José Pereira de Aguilar, que sucedera a Tiago Santana, cujo mandado de presidente da Câmara houvera sido extinto pela justiça local.

A Câmara Municipal, na época, era composta pelos vereadores Aureliano Gonçalves Pereira, Almir José Alves, Calixto Leandro, Dúlio Peixoto (presidente em 1989/1990), Donizete Prado de Freitas, Geraldo Nogueira da Silva (renunciou em 1º/10/91 e foi substituído por Álvaro Alencar Trindade), Gomercindo Nicolau dos Santos, Ilson Vitório de Souza, João Rodrigues de Godoy Filho, José Pereira de Aguilar (presidente em 1992), Jardel Moreira, Lúcio Fernandes, Sebastião de Oliveira, Sebastião Oliveira de Souza, Tiago Santana (presidente em 1991 – teve o mandato de presidente de 1992 extinto pelo Judiciário), Wilson Rangel e Valmir de Moraes.
José Dias, vice que virou prefeito

Foi considerada uma das Câmaras mais produtivas que Caraguatatuba já teve. Elaborou a Constituição Municipal dentro dos prazos legais (a Lei Orgânica Municipal), elaborou o regimento interno da Câmara, que vigora até hoje, e cassou o mandato do prefeito, assegurando a independência do Legislativo em relação ao Executivo, algo histórico.

Curiosa e jocosamente, era chamada “escolinha do professor Raymundo”, numa alusão ao programa humorístico de TV na época, por ter pessoas simples na sua composição, como caiçaras natos, pescadores e motorista. Evidentemente, uma injustiça.

Depois da cassação, como a demonstrar sua versatilidade como político, Boneca tornou-se líder do prefeito Bourabeby na Câmara Municipal. Bourabeby continuava no comando do município por força de medida judicial (liminar). Boneca renunciou ao mandato de vereador de Caraguatatuba em 1º de outubro de 1991 para poder sair candidato a vereador em Caçapava, onde tinha residência.

Boneca também foi vereador em Caçapava
Não se elegeu nas eleições de 1992, mas saiu vitorioso nas eleições de 1996, tendo tomado posse como vereador em Caçapava em 1º de janeiro de 1997 para um mandato que terminaria em 31 de dezembro 2000. Depois de algumas rusgas com o Chefe do Executivo, acabou sendo nomeado líder do prefeito Paulo Roberto Roitberg, do Partido dos Trabalhadores, naquela Câmara Municipal.

Boneca, contudo, não concluiu o mandato: faleceu no exercício da vereança no dia 18 de janeiro de 1998. Foi enterrado em Caçapava com honras de Caraguatatuba: a banda municipal Carlos Gomes, desta cidade, tocou no seu enterro, a que compareceu uma grande multidão. Boneca era natural de Queluz, no Vale do Paraíba, onde nascera em 16 de dezembro de 1929.

Eis a íntegra do Depoimento do Boneca:

"Caçapava, 08 de junho de 1990.

Senhor Redator:

GERALDO NOGUEIRA DA SILVA (BONECA), 60 anos de idade, RG 3.984.656, decidiu arriscar-se a enviar-lhe esta carta, cujo documento chamarei de DEPOIMENTO DO BONECA, a respeito da “briga” entre o Poder Legislativo de Caraguatatuba e o Prefeito José Bourabeby, cujo último “round” ocorreu dia 06 último, com a decisão do MM. Dr. Juiz de Direito da nossa Comarca, Dr. Silvio Luiz Martins de Mendonça. Mas, claro, há outros “rounds” judiciais a ocorrerem.
Busto de Boneca, na av. da praia,
que recebeu o seu nome, no Indaiá
Estou escrevendo a Vossa Senhoria com dificuldades, uma vez que me encontro NA CAMA, recuperando-me de uma operação cirúrgica a que tive de submeter-me no último dia 02. Por essa razão, desde já peço desculpas por não enviar carta datilografada, bem como por eventuais erros ou falhas na redação da mesma.

Confesso que não sei se Vossa Senhoria vai autorizar a publicação na íntegra desta missiva. Mas se o fizer peço-lhe, por obséquio, não colocá-la como “Carta do Leitor”, e realmente publicar a ÍNTEGRA. E se o peço é porque vou tentar, do alto dos meus 32 ANOS de vida pública, onde fui Prefeito de Caraguatatuba, fui Vereador e sou novamente Vereador, onde assessorei, em São Paulo, Secretários de Estado, Deputados Estaduais e Federais, tendo ocupado vários cargos de confiança em diferentes governos estaduais, repito, vou tentar dar meu conselho aos SRS. PREFEITOS que desta tomarem conhecimento, que BUSQUEM RESPEITAR E CONVIVER BEM COM O PODER LEGISLATIVO DE SEUS MUNICIPIOS; POIS O EPISÓDIO DE CARAGUATATUBA AINDA NÃO SE ENCERROU (ESTÁ EM FASE PRELIMINAR) E DELE TODOS DEVEM TIRAR LIÇÕES DE VIDA PÚBLICA E DE CIVISMO! Senão, vejamos, rapidamente:

1 - Houve uma denúncia contra o Prefeito Bourabeby;

2 - A Câmara Municipal aceitou a denúncia;

3 - Estabeleceu-se uma Comissão Processante, da qual este criado foi PRESIDENTE;

4 - Esta Comissão, composta por mim e pelos Vereadores Wilson Rangel e João Rodrigues de G. Filho, cumpriu seu dever, dedicou-se integralmente ao problema, deu ampla e legítima liberdade de defesa ao denunciado, ouviu testemunhas da defesa, ouviu testemunhas convidadas para melhor clarear o processo e concluiu, SEM POLITICAGEM, MAS À LUZ DOS FATOS, ACEITAR A DENÚNCIA.

5 - Submetida à apreciação do Douto Poder Legislativo, este, por 12x5 votos, optou pela cassação do mandato do Prefeito Bourabeby;

6 - O denunciado impetrou mandado de segurança e ganhou a liminar (o que já era esperado em casos como esse);

7 - A Câmara Municipal pelo seu Presidente recorreu;

8 - O Ministério Público, APÓS REQUISITAR O PROCESSO ORIGINAL, opinou pela CASSAÇÃO DA LIMINAR CONCEDIDA, não sem antes ter considerado o processo conduzido, digo, corretamente conduzido pela Comissão Processante, o que de certa forma nos deixou orgulhosos, uma vez que somos leigos em assuntos dessa natureza, não considerando, pois, válidos nenhum dos argumentos levantados pelo ilustre jurista Dr. Geraldo Ataliba, advogado do Dr. Bourabeby. Inclusive a Douta Promotoria Pública opinou sobre o Decreto Lei Federal, nº 201/67, como LEGITIMO E EM VIGOR;

9 - Finalmente vem o MM. Dr. Juiz de Direito da Câmara, Dr. Silvio Luiz Martins Mendonça, simplesmente manter a liminar anteriormente concedida, amparado no artigo 29, inciso 8º, da Constituição Brasileira.

Diz-e que decisão do Judiciário não se discute, CUMPRE-SE. É claro, a Câmara Municipal de Caraguatatuba haverá, estou certo, de cumpri-la, sem fugir ao seu legítimo dever de recorrer. Aliás, o próprio juiz já recorre de plano. Mas é exatamente sobre o Dec. Lei 201/67, único fato em que o Douto Juiz amparou-se para manter a liminar em favor do Dr. José Bourabeby, que desejo opinar e arvorar-me em DAR UM CONSELHO AOS SRS. PREFEITOS MUNICIPAIS. E afirmo, porque: 

A - O mundo jurídico se divide sobre a validade ou não do Dec. Lei 201/67. Já ouvi, pessoalmente, de vários juristas de renome, que ele está em PLENO VIGOR;

B - Enquanto o MM. Juiz de Direito de minha cidade, Caraguatatuba, afirma que “a Câmara perdeu suas atribuições para julgar os atos do Prefeito Municipal”, o Exmo. Sr. Dr. Promotor Público da mesma Comarca pensa diferente. Portanto, a dúvida da validade ou não do referido Decreto já permanece, existe e vigora na chamada BASE JUDICIAL.

E em sendo matéria polêmica, vamos aguardar o que os Tribunais superiores vão falar, para então criar-se uma jurisprudência de fato e de direito a respeito de tão polêmico assunto. No mínimo a Câmara Municipal de Caraguatatuba está dando uma contribuição valiosa à justiça brasileira, na medida em que, estabelecida a jurisprudência, todos os Poderes Legislativos terão uma bússola de orientação para exercerem seu mandato como fiscais da coisa pública.

Mas até lá eu fico com meu ponto de vista, que é o seguinte. Claro, com minha ótica de leigo, porém, sem perder de vista a longa experiência na vida pública:

1 - Entendo que o Dec. Lei 201/67 está em pleno vigor;

2 - Não entendo, SMJ, que a Constituição Federal e, posteriormente a Estadual, em nenhum momento desejaram diminuir, retirar, o poder de fiscalização dos legislativos.

Pelo menos no que diz respeito às infrações político-administrativas. A isso ter acontecido, sem dúvida, os VEREADORES DO BRASIL VOLTARAM A SER OFFICE-BOYS DE LUXO. Incluam-se aí os Deputados Estaduais, Federais e Senadores. E isso agravado com a imprescindível pergunta: DE QUE ADIANTOU O DIREITO DE OS MUNICÍPIOS FAZEREM SUAS LEIS ORGÂNICAS? Como exigir que os Prefeitos as cumpra? Na Justiça?

Vejamos:

A - A ninguém é dado desconhecer a DEMORA DA JUSTIÇA NO BRASIL, O QUE, POR SI SÓ, JÁ É UMA INJUSTIÇA.

B - Quem tem experiência de vida pública, e em não abro mão da experiência que tenho, sabe que um Prefeito, seja quem for, uma vez denunciado na justiça e a denúncia aceita, ele, Prefeito, tem muitos remédios jurídicos para continuar o processo por longo e longo tempo. Adia muitas audiências, apenas com um ofício de que “naquele dia e hora tem compromisso em São Paulo, Brasília , etc., para tratar de RELEVANTES INTERESSES DO MUNICÍPIO”.

E com isso ele conclui seu mandato sem complicações. E, aí, só então, vai conversar com a justiça, apenas como cidadão. Mas, claro, o fato gerador da denúncia e do processo já ESVAZIOU-SE, e o interesse público já era. E isso se aplica para infrações ou crimes políticos. E em sendo isso um fato que a experiência de vida pública nos ensinou, pergunto: ONDE FICA O PAPEL FISCALIZADOR DOS LEGISLATIVOS? Será que vamos voltar a apenas sentar e levantar para aprovar ou não projetos do Executivo? Acrescido do arroz com feijão de dar nomes à ruas, apresentar indicações e requerimentos?

NÃO! Basta ver-se o grito de independência que o Congresso Nacional e o Poder Judiciário já estão dando em face de algumas medidas do Governo Federal. Os Três Poderes existem, precisam existir, livres e harmônicos entre si, especialmente um respeitando o outro.

E por tudo isso, embora vergado de respeito à alta decisão do MM. Juiz da Comarca de minha cidade, estou convencido de que o Tribunal de São Paulo modificará sua respeitável decisão. É questão de um pouco de paciência.

Senhor Redator, continuo não sabendo se o Sr. vai mandar publicar na íntegra esta carta que escrevo, deitado e mal acomodado. Mas não queria que a oportunidade se perdesse no tempo. E aconselho aos Srs. Prefeitos, especialmente ao de Cachoeira Paulista, que não COPIEM o Dr. José Bourabeby, no seu aspecto DITATORIAL.

Nada tenho contra a pessoa do Dr. Bourabeby. Acho até que é um líder político e que conquistou seu espaço em Caraguatatuba por saber conduzir essa liderança política. Mas, daí até a não respeitar o Poder Legislativo, vai uma distância muito grande. Afinal, um Prefeito não precisa necessariamente matar, roubar, etc., para ser cassado pelo Legislativo. Desrespeitar leis também é crime.

Encerro afirmando que Caraguatatuba está de parabéns, pois episódios como esse enriquecem a democracia. A Câmara Municipal merece aplausos por ter cumprido e estar cumprindo com seu dever. Haja vista que centenas de municípios estão com os olhos voltados à nossa cidade, acompanhando com interesse esses fatos.

O Sr. Prefeito está de parabéns, pois até aqui está conseguindo se manter, judicialmente, no cargo.

O Poder Judiciário, mais do que nunca, merece aplausos pelas decisões tomadas -- MINISTÉRIO PÚBLICO E JUIZ --, pois isso prova que os Poderes no Brasil estão com vida.

E, ao final, com todo o respeito a todos os interessados, acho que, quando tudo isso acabar, o Poder Executivo de Caraguatatuba vai sair arranhado. E por isso reafirmo: SRS. PREFEITOS, RESPEITEM O LEGISLATIVO.

Encerro mandando um recado aos que anonimamente estão telefonando a Vereadores de Caraguatatuba ameaçando que “quando o Boneca voltar, acertamos contas com ele”.

Claro, assim que me restabeleça, vou voltar. E espero ser respeitado da mesma forma que respeito a todos. Ao ser sorteado para Presidente da Comissão Processante, nada mais fiz do que cumprir com meu dever. O resto é com a JUSTIÇA!

Cordialmente,

GERALDO NOGUEIRA DA SILVA
(BONECA) Vereador

Em Tempo: Não estou em busca de promoção. No sou candidato a nada. Apenas acho que o assunto HARMONIA E RESPEITO ENTRE OS PODERES ESTÁ EM PAUTA NACIONAL."

Nenhum comentário:

Postar um comentário