Os alunos do 7º semestre de Jornalismo do Módulo estão elaborando um documentário sobre a vida do caiçara, contando seus momentos antes e depois do advento da transformação das cidades do litoral norte a partir dos anos setentas e da chegada de outros tipos de atividades econômicas, que absorveram a mão de obra local e retiraram os descendentes caiçaras de suas ocupações habituais.
O trabalho deverá estar concluído até meados deste mês de abril para ser apresentado oficialmente por ocasião das festividades de aniversário da cidade, no dia 20. As filmagens foram feitas em Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Ilhabela, ouvindo pescadores e pessoas mais antigas e tradicionais de cada uma dessas localidades.
Os alunos, sob a supervisão da professora Bruna Vieira, querem mostrar quem eram os caiçaras de 30, 40 anos atrás, como viviam, quais eram suas tradições, seu folclore, fazendo um contraponto com o caiçara de hoje, que já não se dedica com tanta intensidade às profissão e ao modo de vida de seus pais, até mesmo em razão do surgimento de melhores opções de obtenção de renda.
Em Caraguatatuba, os alunos ouviram os pescadores Jorge Bagrinho e João Caroço, do bairro Ipiranga. As tomadas foram feitas na Casa do Caiçara, localizada na praia central e comandada pelo caiçara Katira. O lugar é aquele onde existe a pegadinha de “tirar foto com o macaco”, confundindo as pessoas, já que o macaco disponível é o mesmo utilizado para a troca de pneus.
Também foi ouvida a tradicional caiçara dona Matilde, 83 anos, uma matriarca, mãe de nove filhos, a maioria deles ainda se dedicando à pesca. É mãe do Katira, do Tião Bota, do Lico, do Dito, Mané, Messias (já falecido), das gêmeas Sílvia e Silvana e da Iracema. Dona Matilde atribui o declínio do caiçara à falta de peixes e à necessidade de se buscarem fontes diferentes de sobrevivência, que afastaram os descendentes das práticas caiçaras comuns.
Quanto modo de viver do caiçara de tempos atrás, ela declarou com saudades: “Aquele tempo era muito bom, bom demais. Quando eles saíam para pescar e quando vinham, era aquela beleza: peixes, cação grande, pescada, tudo quanto era peixe.” Hoje tudo mudou e dona Matilde é pessimista: “Agora não tem mais peixe, o peixe agora é muito pouco. Eles saem de manhã e chegam à noite com um peixe, dois peixes, três peixes; tem vez que não pegam nenhum”, lamentou.
O trabalho conta com a participação dos alunos de Publicidade e Propaganda do Módulo, que farão a divulgação do material colhido e se encarregarão de preparar a festividade de lançamento, com a feitura e distribuição peças promocionais.
Origem dos Caiçaras
No Brasil, há inúmeras nações indígenas. No entanto, no ato da colonização, os índios foram gradativamente sendo exterminados de nosso litoral, deixando heranças que ainda hoje se perpetuam. Os caiçaras são um exemplo vivo desta combinação índio/colono, terra/mar - que se estabeleceram nos costões rochosos, restingas, mangues e encostas da Mata Atlântica.
A palavra caa-içara é de origem tupi-guarani. Separadas, as duas palavras sugerem uma definição: caa significa galhos, paus, "mato", enquanto que içara significa armadilha.
A idéia provinda desta junção seria, à primeira vista, uma armadilha de galhos. O termo, porém, denomina as comunidades de pescadores tradicionais dos Estados de São Paulo e Paraná e sul do Rio de Janeiro.
Com poucos contatos com o "mundo de fora", os caiçaras evoluíram aproveitando os recursos naturais à sua volta, que resultou numa grande intimidade com o ambiente. Povo anfíbio, entre o mar e a floresta, estas pequenas comunidades tentam, ainda hoje, preservar seus valores de grupo. Seus territórios - praias e enseadas - são de difícil acesso, por vezes protegido por Unidades de Conservação. Atualmente estas terras são alvo da especulação imobiliária, devido à sua beleza e excelente estado de conservação.
PESCA
Os pequenos e médios barcos a motor vieram fazer parte desta cultura nos meados da década de 60. Antes deste período, a agricultura era a atividade primária. O homem caiçara passou de lavrador para pescador e, hoje, podemos dizer que a pesca é a principal atividade do homem caiçara.
O aparelhamento e as embarcações sobreviveram de processos indígenas, ao passo que, na captura, predominam os elementos da cultura portuguesa. A poita, indígena, é nada mais do que uma âncora primitiva, empregada para canoas e redes.
É dela que provêm expressões comuns dos caiçaras como: canoa poitada, poitado na cama, saiu da poita etc. O termo em tupi significa parar ou estar firme. Também é possível identificar heranças na pesca provindas da imigração japonesa, como é o caso do cerco.
Os aparelhos de pesca são divididos em três grupos:
1) destinados a ferrar o peixe (arpão, fisga, anzol, espinhel);
2) as redes de emalhar e as de envolver e
3) armadilhas, fixas ou flutuantes.
Com estes, o homem caiçara pesca no "mar de dentro" para sua subsistência. O arrasto da tainha merece atenção especial, pois se trata de um momento de congregação da comunidade, onde todos trabalham para todos.
Com uma rica noção de pesca adquirida ao longo do tempo, os caiçaras começaram a trabalhar em barcos pesqueiros há cerca de 30 anos. Hoje, a maioria dos homens adultos são empregados em grandes barcos de sardinha, levando-os a pescar no "mar de fora", desde Cabo Frio até a divisa com o Uruguai. Recebem porcentagens da pesca de acordo com sua especialidade e, em épocas de proibição da pesca ("defeso"), desembarcam de volta aos seus lares.
AGRICULTURA
O sistema de cultivo utilizado pelos caiçaras tem marcada influência indígena. Comumente chamada de coivara ou roça de toco, esta técnica itinerante consiste, basicamente, na derrubada e queima da mata para utilizar o terreno para cultivo, seguindo-se um período de pousio, isto é, um "descanso" da terra. Observam-se elementos da cultura indígena tanto no manejo do ambiente como nos produtos, já processados, da roça.
A agricultura caiçara serve como complemento alimentar dos pescadores e seu principal produto é a farinha de mandioca - consumida em quase todas as refeições - que desde os tempos imemoriais se trata de um substituto do pão europeu e, por isso mesmo, chamada de "pão dos trópicos". Existe, ainda, uma infinidade de produtos secundários e ervas medicinais. Seus principais produtos são: mandioca, milho, cana, feijão, guandu, inhame, entre outros.
Ao contrário do que possa parecer, a roça caiçara não se trata de uma agricultura "primitiva", mas uma tecnologia aprimorada que se desenvolveu frente às condições tropicais. Pesquisas recentes indicam ser esta forma de cultivo um sistema agrícola auto-sustentável. No entanto, a agricultura vem perdendo espaço e interesse dentro das comunidades, por causa da perda da noção do poder aquisitivo que acarreta na compra de alimentos nas cidades mais próximas.
A extração de madeira para diversos fins como lenha, construção de canoas e casas etc., esbarra muitas vezes em proibição das leis que regem algumas Unidades de Conservação. Os caiçaras ficam assim limitados em seu próprio território. No entanto, uma das interessantes extrações é verificada na Comunidade do Aventureiro (Ilha Grande - RJ) onde os caiçaras retiram a casca do cobi (Anadenanthera colubrina) e a levam ao fogo para retirar sua resina. Esta é aplicada nas redes de pesca com a finalidade de fortalecer a malha, ficando com uma tonalidade vermelha.
Plantas são também usadas para uma grande variedade de propósitos, como alimento, medicina, construção, entre outros. O conhecimento dos caiçaras sobre ervas medicinais é bastante vasto, sendo objeto de inúmeras pesquisas. Este etnoconhecimento se traduz desde plantas tradicionalmente usadas na medicina popular, até usos medicinais de certas espécies de peixes. Esse intenso uso demonstra a forte interação homem/ambiente mantida numa cultura extremamente próxima às maiores cidades brasileiras.
O POVO
Existem duas principais relações de trabalho nestas comunidades: a pesca, que agrega toda a comunidade e a agricultura, cujos limites são exclusivamente familiares. Ademais, ainda combinam atividades de coleta, extrativismo e artesanato.
A associação do peixe com a farinha de mandioca é um dos aspectos mais gerais da dieta deste povo, que se vê hoje dividido entre a necessidade de dinheiro expressa pela intensa relação com a cultura urbana e o receio de perder sua identidade de grupo de pescadores artesanais situados em áreas preservadas.
Os caiçaras são, originalmente, um povo de religião católica, herança esta gerada pelo colono português. Há várias festas relacionadas ao catolicismo, porém a mais famosa acontece no mês de maio em homenagem à Cruz (Santa Cruz). É necessário que se realize no "claro", isto é, na lua cheia, para que todos possam comparecer. A cada ano é escolhido o festeiro – figura central na organização da festa - que, por sua vez, escolhe outros responsáveis. Durante três dias, a comunidade estará ocupada na realização da Festa de Santa Cruz.
O primeiro evento da festa é a ladainha na igreja na sexta. Já no sábado, os convidados chegam e se iniciam os batizados e mais ladainha. O último dia é mais intenso, com uma "missa festiva" com o padre mais próximo e finalmente a procissão.
Andores, bastante decorados, recebem imagens de santos enquanto rezas e músicas são entoadas ao longo da extensão da praia percorrida. Após a procissão, é comum a realização de um leilão que arrecadará fundos para a festa do próximo ano.
Atualmente várias comunidades caiçaras fazem parte de Igrejas Pentecostais e Associações, dado o forte grau de contato das últimas décadas. Igrejas da Assembléia do Reino de Deus e Congregação de Cristo estão se tornando comuns e se espalhando rapidamente, o que faz com que o Catolicismo tradicional, suas festas e rituais vão se tornando cada vez mais raros e, também, são responsáveis por alguns conflitos entre comunidades.
A origem do Caiçara – fonte: Museu do Caiçara, de Ubatuba;
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